O período compreendido entre os anos de 1914 e 1930 é chamado na arquitetura brasileira como o período do estilo Neoclássico, que incentivava a defesa de uma arquitetura “nacionalista”, a fim de romper com a influência européia. Um dos ativos defensores deste movimento foi o português Ricardo Severo da Fonseca que encontrou, na pessoa do então prefeito paulista Washington Luís, um apoio muito importante. Desta forma, as linhas tradicionais da arquitetura européia foram sendo gradativamente substituídas pela arquitetura neoclássica.

Esta ruptura não foi radical, na verdade, apenas efetuou pequenas alterações na já consagrada arquitetura européia, como é possível observar ainda em algumas construções desta época, a presença dos famosos azulejos portugueses.

Esta influência teve sua participação importante no Antigomobilismo. É claro que, na época os veículos não eram antigos, muito pelo contrário, eram bem novos, afinal, a Ford iniciou suas operações no Brasil em 1919 e a General Motors em 1925.

Neste período e devido à pequena quantidade de veículos existentes, o abastecimento era realizado nas próprias residências, por meio de galões.

Contudo, devido aos riscos, à falta de segurança na operação e também pelo fato de que os veículos se popularizavam muito rapidamente (Existiam no Brasil, até o ano de 1930, aproximadamente 290.000 veículos, a maioria importados), começaram a surgir locais onde o abastecimento de veículos poderia ser feito.

Nestes locais os veículos recebiam toda a atenção necessária, podendo ser abastecidos, receber lavagem, calibragem dos pneumáticos e lubrificação. Alguns detalhes merecem especial atenção, como:

• os postos de antigamente estavam localizados em avenidas e ruas de grande movimento, preferencialmente em esquinas. Pontos ideais para venda deste tipo de serviço, exatamente como nos dias atuais.

• o óleo lubrificante era enviado ao posto em grandes tambores metálicos e deveriam ser transferidos para garrafas de vidro, com capacidade para 1 litro, rosqueadas à bicos metálicos especiais, para então, ser colocado no motor do veículo.

Toda esta introdução é para dizer que, na cidade de São Paulo ainda existem 3 postos desta época e em funcionamento, todos com a bandeira Shell, embora apenas um deles seja de propriedade da empresa. A pesquisa não conseguiu localizar nenhum outro posto desta época na cidade.

1 – Auto Posto Alferes Tiradentes

Construído em 1926, localiza-se à Av. Tiradentes, n. 1565 esquina com a Rua Porto Seguro, em frente à Praça Bento de Camargo Barros.
Na época do desenvolvimento da cidade de São Paulo, a Av. Tiradentes era um veio principal de fluxo de trânsito até a inauguração da Av. Cruzeiro do Sul, na altura da Ponte das Bandeiras. Esta alteração urbana fez com que ocorresse uma migração de fluxo e o negócio atualmente sofre com a falta de público. Por causa disto, o patrimônio está em deterioração avançada.

É perceptível, no entanto, ainda alguns detalhes as características originais da arquitetura que permanecem intactas, como os azulejos portugueses no frontão, embora com tinta aplicada por sobre, os cachorros de sustentação do forro do telhado, as colunas salomônicas nas laterais das janelas e a base de pedra nas paredes. Os azulejos que deveriam estar nas paredes laterais já foram retirados. Contudo, é um imóvel que merece ser recuperado pois é o mais antigo dos postos localizados.

2 – Auto Posto Aclimação

Inaugurado em 15 de Abril de 1929, o posto é de propriedade da Shell do Brasil. Localizado à Avenida Aclimação, n. 11, é um exemplo de patrimônio bem mantido e fiel às características originais.

Como pode ser observado nas fotos, o estado geral do posto é excelente, com a pintura, os azulejos nas paredes laterais, a base das paredes em pedra e, principalmente, o frontão, com os azulejos e o logo da empresa, exatamente como era originalmente; tudo impecável.

Os administradores do posto, sob concessão da Shell, informaram que ainda trabalham ali dois funcionários desde 1965 e estes, quando entrevistados, informaram que funcionários da Shell periodicamente vistoriam o posto a fim de garantir que nada será alterado. Aliás, os administradores tem a intenção de montar um “mini-museu” no local, afinal, ainda estão lá intactas as garrafas de troca de óleo, uma bomba de ar dos anos 30, alguns cartões de troca de óleo dos anos 40 com foto do posto e o “elefantinho” da Shell, boneco utilizado em alguma promoção, porém bem mais recente.

Sob o ponto de vista da arquitetura, é possível notar que as mesmas características estão presentes, ou seja, existem as colunas salomônicas moldadas às laterais das janelas, os cachorros de sustentação (em madeira) do beiral do forro do telhado e o arco de canga abatido que dá acesso à área coberta para abastecimento.

3 – Auto Posto Belo Car

Inaugurado em 1931 é o terceiro posto antigo encontrado em São Paulo. Localizado à Rua do Glicério, n. 498 esquina com a Rua São Paulo. Um fator que com certeza auxiliou na sua preservação é o fato de ter sido administrado, nestes anos todos, por no máximo 05 pessoas.
Assim como no caso do Posto Aclimação, as características arquitetônicas originais foram mantidas. Porém, duas alterações foram realizadas:

• a pintura de vermelho e amarelo que destoam dos tons originais, bem mais sóbrios.

• os azulejos do frontão foram substituídos por outros iguais aos utilizados nas paredes laterais.

Importante ressaltar que as fotos foram tiradas ao longo do ano 2000, portanto, eis a explicação do fato dos preços dos combustíveis serem tão baratos !

O bom do Antigomobilismo é que nos permite crescer, já que nos obriga a conhecer um pouca da história, e como conseqüência, de nossa cultura. Fica, portanto a sugestão, estando em São Paulo, anote estes endereços em sua agenda e dê uma passada por lá, com certeza vai gostar. Se você for de São Paulo, por que não abastecer seu carro em um deles de vez em quando e assim ajudar na preservação do imóvel ?

Em tempo: não sou arquiteto apenas um antigomobilista curioso !


Paul William Gregson é Presidente do Clube do Ford V8-Brasil e autor do livro “Os eventos de Antigomobilismo sob a análise turística”.
e-mail: pwg@terra.com.br